domingo, 8 de maio de 2011

O paradoxo estelar.


Macabéa, protagonista de Rodrigo S. M., o narrador de Clarice Lispector na sua complexa e última obra “A Hora da Estrela”, 1977, é uma retirante nordestina que trabalha e vive na cidade do Rio de Janeiro, entenda-se “viver”, no seu sentido mais simples, pois a personagem não se permite ter luxos em sua vida, um café gelado à noite talvez (pg.49), ou ouvir a Rádio relógio de vez em quando, mas, quanto a isso e outras coisas, até tristeza era luxo (pg. 79). Clarice criou a história de Maca e de seu meta-autor, em um momento frágil e delicado, já muito próximo de sua morte, e o fato de estar consciente da tamanha fragilidade foi fundamental para a fundamentação existencialista do seu trabalho.


“(Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo)”, (pg.51), coloca-se em cheque a autora ao projetar-se em Rodrigo S. M., que, por outro lado, também projeta-se como Criador (de Macabéa) para seu interlocutor, talvez o leitor, talvez uma divindade. A obra, assim, se comprova essencialmente paradoxal e carregada de simbolismos, comuns de Lispector, porém com o grande destaque ao que se diz respeito ao existir: quem é Macabéa? Por que ela existe? Para quê? Por que o autor existe? Por que o leitor?



Macabéa é descrita como torta e cariada, uma coitada, sem real motivo para existir – pelo menos a princípio – pelo seu criador, que escreve sua história deixando sempre claro quão penoso este processo é. Numa primeira fase do romance, antes mesmo de Maca ser apresentada, lê-se um Rodrigo então de sua criadora, Clarice, na sua forma mais filosófica, com pensamentos e intrínsecas interjeições a eles mesmos, constituindo algo que arrisco chamar de “banco de epígrafes”, devido ao peso que é dado a cada palavra, como a do “sim”: no princípio uma molécula, de alguma forma, teve mesmo que dizer ‘sim’ a outra. Significado e existência talvez sejam mesmo as palavras que mais sintetizem essa(s) história(s). Esse complexo jogo/processo de criação culmina numa ideia positiva e não necessariamente pessimista, seguindo o conceito sartreano: a existência vale por si só; sua existência é finita e, portanto, válida a construção de algo, um reflexo, uma marca, um algo que se queira fazer, um sim a receber.



Ainda tratando de significado, Macabéa é uma grande metáfora no que se diz respeito à banalização do que é a vida, do que existe e, especialmente, da linguagem. Beirando o cômico caricato, a nordestina tem sua imensa alegria por um beijo recebido de uma cigana justificado com a passagem de que até então só beijara a parede a fim de ver como era, por exemplo. Por não ser instruída, é inocente/ingênua, tem um ar de criança, se interessa por palavras e conceitos (muitas das vezes ouvidas na Rádio Relógio) reveladores de sua condição existencial e social, mas que descontextualizados, não a levam ao auto-conhecimento, se expressando inadequadamente, ou então, nem se expressa, se priva da palavra e permanece no silêncio – que não é opção, mas maneira precária de ser. (FULKEMAN, 93).
Rodrigo vê a jovem como alguém que merece um misto de amor, piedade, raiva, certo asco, por sua patética alienação, por outro lado, também estabelece com ela um vínculo mais profundo, que é o da comum condição humana. Esta identidade, que ultrapassa as questões de classe, de gênero e de consciência de mundo, é um elemento de grande significação no romance. Rodrigo e Macabéa se confundem, logo, Rodrigo e Clarice igualmente o fazem. Então, qual a estrela que explode ou que é explodida, na verdade? Macabéa buscava entender o mundo em que vivia e que não fazia parte, se Rodrigo pode ser Macabéa, o que dizer da autora quando escreve na Dedicatória do autor, que abre o livro, a advertência: “Na verdade Clarice Lispector”?



Ao fim, quando Macabéa se descobre em essência: “Hoje, pensou ela, hoje é o primeiro dia de minha vida: nasci”, pode-se entender que apenas nasce quando se conscientiza de si mesma, na hora então, de sua morte – se justifica? Sim. Rodrigo? Sim. Clarisse? Sim.





por Rafael Swiech


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Referências:
LISPECTOR, Clarice. A Hora da estrela. 22ª Ed. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1993
FUKELMAN, Clarisse. In ______. A Hora da estrela. 22ª Ed. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1993
OBJETIVO. A Hora da Estrela - Clarice Lispector. Disponível em www.mundovestibular.com.br/articles/51/1/A-HORA-DA-ESTRELA---Clarice-Lispector. Acesso em: 07/05/2011

sábado, 26 de março de 2011

O rei da Vela, O rei do Brasil

Brasil Colonial, 1500.
Brasil Imperial, 1822.
Brasil Independente, 1889.

Em 1933, Oswald de Andrade escreve a peça O Rei da Vela. Apelativa (nos estereótipos), Oswald apresenta um Brasil politicamente bagunçado, corrompido e, contudo, sabido disso, ainda que não consciente.

Do ponto de vista de uma família, o autor demonstra toda a má organização e defeituosa estrutura do Estado. Abelardo I é um novo rico que quer casar com uma família – sim, com uma família – a fim de conquistar um brasão, estamos em 33, pós-crise monetária mundial, momento de mudança na economia e estrutura das classes sociais, justificando o interesse no nome.

Que nome? Família ruída. Fortes caricaturas, exagero na corrupção escandalosa e sexual. Falta de pudor. Essa é a família com que Abelardo I quer, ou precisa, ou acha que precisa se casar. Essa é a família modelo brasileira. Vendida. Muito interessante seria para eles também esta união, ex-barões do café que agora mais valia quando queimado.

Rei da Vela, pois cada brasileiro que morre lhe enche os bolsos, pelo menos uma vela por morto, por mais pobre que seja. Viva a exploração! Viva o Brasil. A vela também representa o ordinário que não consegue sequer energia elétrica, usinas fechadas. Há ainda a agiotagem de Abelardo, cada pobre imigrante – ou não – tem seu próprio pavio queimando, metaforicamente falando, até acertar as contas com o credor.

A grande sacada, porém, é a demonstração da descrença pela nação, historicamente desvirtuada. “Nós dois sabemos que milhares de trabalhadores lutam de sol a sol para nos dar farra e conforto. Com enxada nas mãos calosas e sujas. [...] É assim a sociedade em que vivemos. O regimen capitalista que Deus guarde...” diz Abelardo I à noiva. Sim, qual o problema afinal? Ele também sabe que o Brasil deve contas ao exterior. É assim que a banda toca e ponto final. Mas há o socialismo: falso e oco do brasileiro. Abelardo II, propositalmente homônimo, é o socialista, que se torna Abelardo I na primeira oportunidade que tem, constatando: Abelardos não faltam. É o Brasil do interesse. Um deboche de um país com grande potencial e que se perdeu na própria história. Falávamos de 1933. Hoje é 2011 e nada de ter se encontrado.

Brasil imutável, 0000

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R. Swiech

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O Crepúsculo de Curitiba

Oh Terra vermelha! Quanto do teu rubor é sangue da nossa gente.
Fernando Pessoa

À começar pelo autor, que sempre negou a fama ou reconhecimento, atitude muito mais vapirística do que nos últimos vampirinhos (Crepúsculo, True Blood ou The Vapire Diaries), acredito, temos uma imagem bem mais interessante do que viria a ser um vampiro. Ou pelo menos, O vampiro de Curitiba.

A obra, escrita em forma de contos - leves, românticos, eróticos, existenciais, inteligentes e recheado de humor - às vezes negro – quer ser novela. É interessantíssimo e muito sagaz a forma estrutural que o livro segue. Seus contos são suficientemente independentes, a ponto de serem lidos como contos, ao mesmo tempo que compõem uma longa trajetória do vampiro Nelsinho.

Nada de lobos, magia, Edward, lua cheia, pele com glitter, blá blá blá. O vampiro de Curitiba é real. Dalton Trevisan, em 1965, nos leva a uma viagem literária que ilustra a vida do jovem Nelson a assediar velhinhas, senhoras respeitáveis, virgens e prostitutas, agoniado e indeciso entre aquela que molha o lábio com a ponta da língua para ficar mais excitante, a viúva toda de preto com joelho redondinho de curva mais doce que o pêssego maduro, a “casadinha” que vai às compras e a normalista, como o portal passeiweb.com exemplifica.

Essencialmente, Dalton criou um vampiro muito mais próximo do papel que um vampiro foi criado para ter. Tudo bem, Edward vende mais, entretanto, isso não me incomoda, afinal, eu não espero encontrar um Edward tampouco um Jabob por aí, mas ainda creio que vou topar com meu Nelson um dia destes – morar em Curitiba, eu já moro.

por Rafael Swiech

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O pós-conceito de um Era


Menino de Engenho (1932), de Jose Lins do Rego conta de forma doce, nem por isso menos real, a história da criacao da sua personagem principal, Carlos Melo, no engenho de seu avo, Senhor de Engenho, o coronel José Paulino - trama um tanto quanto auto biográfica. A obra retrata a realidade nordestina no comeco do seculo XX, numa época em que há mais de vinte ano, a nacao abolira a escravatura.
Apesar da recente abolicao, o negro jamais recebera alguma assistencia a integra-lo na sociedade, e esta situacao fica bastante evidente no desenrolar das intrigas narradas pela personagem principal. Muito se discute sobre o retrato da figura negra na literatura, como o presente nas obras de Mone Lobato; bastante comum é a discussao acerca da ambiguidade em sua retratacao ao negro, e desta mesma forma, pode-se analisar a obra de Lins do Rego.
Na narrativa, encontram-se diferentes formas de tratamento ao negro. Uma das mais cruéis, talvez seja a da Tia Sinhazinha, que, segundo o menino narrador, mantinha uma escreva sempre aos pés de sua cama, com a única finalidade de servir de saco de pancadas, caso a velha interessasse dar uns safanoes em alguém. O menino de fato acha aquilo cruel, mas talvez da mesma forma que acharia caso Sinhazinha maltratasse um cachorro ou os passarinhos que tanto gostava - é prováve até que sofresse mais se os vitimados fossem os pássaros.
É inegável, por outro lado, devida a ausencia de uma política de assistencia ao negro, que as senzalas ainda se faziam reais naquela época, a ainda assim seriam, por um bom tempo, e o tratamento a eles era variável, de senhor de engenho para senhor de engenho, de coronel para coronel, de família para família, de branco para branco. Seu José Paulino era, a seu modo, bastante avancado no que se diz respeito ao respeito aos negros. Homem de poucas palavras, tentava ser bastante justiceiro e de correta conduta. Na casa grande, havia sim um diferenca entre brancos e negros, porém há uma passagem interessande, já em meados da obra, em que temos uma clara evidencia da ambiguidade ao tratamento dos ex-excravos,

... O meu avo continuava a dar-lhes de comer e de vestir. E elas [as escravas mais proximas] a trabalharem de graca, com a mesma alegria da escravidao. As duas filhas e netas iam-lhes sucedendo a servidao, com o mesmo amor a casa grande e a mesma passividade de bons animais domésticos...

ora, nesse trecho temos uma boa imagem do governo do Senhor de Engenho, ao passo que, a comparacao dos escravos com animais foge bastante do politicamente correto e ainda, é difícil nao questinar a alegria na escravidao. Há alguma alegria na escravidao?
Sem mesmo seguir muito em frente na história, Carlinhos conta das brincadeiras com os muleques da senzala. No seu universo infantil e sem preconceitos ou preocupacoes, ele conta que os meninos da casa grande, iam atrás dos da senzala, pois estes é que sabiam nadar, correr e brincar. Ah sim, talvez desta felicidade ele tratasse, pois isso ou a presenca das negras de dentro da casa, ou a crueldade de Sinhazinha eram suas maiores referencias.
O protagonista também se encanta pela velha africana Tia Galdina, com suas fantásticas histórias do seu continente de origem e do respeito que tinha, esta era chamada de Vovó por todos. Todavia, em um engenho próximo, tal retrato seria impossível. Um tal de Ursulino, por exemplo, todas as manhas dava uma chibatada em seus escravos para que eles esquentassem o corpo. E vale ressaltar que ninguém lá parecia se chocar muito com esse fato.
Todavia, nao era uma questao de pré-conceito, ao que a obra prossegue e o garoto acaba por trazer algumas justificativas para tal conclusao:

... Nunca, menino, tive pena deles. Achava muito natural que vivessem dormindo em chiqueiros, comendo um nada, trabalhando como burros de carga. A minha compreensao da vida fazia-me ver nisto uma obra de Deus. Eles nasceram assim porque Deus quisera, e porque Deus quisera, nós éramos brancos e mandavamos neles. Mandávamos também nos bois, nos burros, nos matos.

O que até entao poderia aflorar como uma teoria, o próprio protagonista apresenta como verdade: a situacao, ou a forma de como a situacao era aborada era apenas uma resposta a uma outra época. O resuldado do que lhe fora dito ou ensinado. Nao simplesmente uma questao de postura pre-convceituosa ou nao. É o mesmo caso de um outro caso isolado na trama. O de um menino com retardo mental cuja mae, nao desejava nada mais do que a morte do garoto. Ele nao era negro, mas mesmo assim, sofria o pós-conceito cruel de uma época, que muito lentamente tem sido quebrado. Muito lentamente, até hoje. Lins do Rego nao inscitou nada, mas representou a verdade de um tempo.


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por rafael swiech

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O Herói de Basílio

Há algum herói nesta obra?


Antes de encontrar um herói em O Uraguai, de Basílio da Gama, encontra-se a vítima. Mais do que tudo, a posição do índio é a de vítima, o que, não implica em ausentá-lo também da chance de ser o herói da tendenciosa epopéia brasileira.
No primeiro canto, Catâneo, o comandante, descreve os motivos históricos da guerra a ser travada e, posteriormente vencida. Narrando, inclusive fatos passados não bem sucedidos devido ao clima, formação do solo e enchentes do rio Uraguai, deixa claro a má influência dos jesuítas, que nunca declamaram contra o cativeiro destes miseráveis racionais [os índios], senão porque pretendiam ser só eles os seus senhores, segundo a notas explicativas do próprio autor, já os colocando como vilões da história e contra a Coroa.
O desfile das tropas, ainda nesse canto, também enaltece o europeu, que veio em missão real, trazer a ordem ao que fora independentemente dominado pelos jesuítas que não obedeciam ordens e tratados reais.
O índio, por outro lado, lutou valentemente contra os portugueses a fim de sua causa, que nada mais era do que o propósito jesuíta, já que estes os influenciaram a tal ato, os eximindo, de certa forma, da culpa de estarem contra as tropas européias.
Dada as circunstâncias, em certo ponto da narrativa, o índio Cacambo incendeia o acampamento europeu, mas mesmo tendo-o feito, o poderoso jesuíta Balda o aprisiona e o mata, para deixar sua bela índia Lindóia noiva de seu filho Baldeta. Lindóia deixa-se então morrer picada por uma cobra para impedir a concretização do plano de Balda. Heroísmo não é o que falta ao índio neste momento.
Todavia, com o vilão, a Companhia de Jesus, tendo perdido a batalha, uma vez que os pobres índios não puderam contra o armamento europeu, o europeu é dado como herói a fazer valer a verdade real na colônia e também justiçando o índio, que agora passa a reverenciar a Coroa.

Assim, pode-se interpretar o índio como herói, ou pode-se interpretar o europeu pelo herói, ou ainda, pode-se também defender que o poema deixa de ser a celebração de um herói para tomar-se o estudo de uma situação: o drama do choque de culturas e influências sobre o índio!, mas talvez, o grande herói de Basílio, provavelmente, foi um europeu em especial, Marquês de Pombal, cujo heroísmo lhe é dado por reconstruir Portugal após o terremoto de 1755, ir contra as missões religiosas ganhando aliados como França e Espanha, dentre outras coisas, bem como por ganhar a simpatia do autor, que, ao que se sabe, estava cansado de ser perseguido devido sua antiga educação jesuíta.
por Rafael Swiech

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

o bom e velho espanhol


Que Guy Ritche que nada... Que Tim Burton que nada...
Pedro Almodóvar é o único que nao decepciona, e que mostra que o tempo só amadurece sua producao cinematográfica.
Assisti a seu útimo filme ontem, por isso o post. Estava com saudade mesmo das loucuras totalmente possíveis de seus filmes.


(Ok, A lei do Desejo é bem ruim)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Tempo de Angústia

É erro supor que a dor moral só possa vir a ser causa de morte nas novelas românticas ou nos drama de paixão.
Mário de Andrade


A princípio, o conto é escrito em um curto espaço de tempo, do qual passado e futuro tem menos relevância. Tem poucos personagens e, basicamente, uma intriga – enquanto o romance tem o tempo mais dilatado e intrigas menores em torno de uma principal, o que, por consequência, tende a ter mais personagens, ou até mesmo a evolução deles.
A princípio.
Em Os Ratos, 1935, do modernista da segunda geração Dyonélio Machado, podemos observar um romance se comportando como conto. Ou seria um conto como romance?
Os Ratos é, no entanto uma novela, que, sempre a princípio, traria evolução, e diferentes intrigas ao passar o tempo, em uma linha contínua ou não de uma personagem.
Apesar de a obra tratar apenas de 24 horas da vida de Naziazeno Barbosa, a personagem principal, seu dia é tão intenso e cheio e atropelado e transtornado que não é apenas um dia. O dia, o tempo, na produção de Dyonélio, é um dos pontos mais marcantes, se não o mais, de seu escrito.
Naziazeno precisa, desde o amanhecer, quando recebe o ultimato do leiteiro após atrasos consecutivos, pagar o leite para não ter o bem diário cortado. Sua mulher lamenta todos os cortes: a manteiga, sapato novo etc., mas leite é fundamental para o desenvolvimento do filho de quatro anos já tão abatido por doenças.
Ao botar o pé para fora de casa, o herói, vai atrás do dinheiro. Pedir para o patrão, que já o ajudara no passado? Conseguir com colega seu da repartição? Seu prazo é apenas de 24 horas, e a angústia dele faz desse tempo mais curto do que já era. Sempre contra o relógio, que hora faz sobrar tempo antes de chegar ao posto de trabalho, hora já estão passadas as horas para buscar uma solução. Procura o empréstimo sem sucesso, tenta receber o dinheiro devido por um terceiro a um amigo, é apenas enrolado. Fica sem comer. Consegue um dinheiro para almoçar, mas passou tanto tempo sem comer que pensa em apostar na sorte, investir aquele dinheiro no jogo. Não tem a dita sorte. Culpa a fome pela agonia que vive ou tormento que sofre durante todo o dia. Agora anti-herói, joga no azar, penhora, consegue o dinheiro, fica feliz momentaneamente, faz compras, paga – problemas resolvidos. Por hoje. Amanha há uma nova dívida.
Temos, assim, uma narrativa de episódios cronometrados e classificados na medida sufocante capitalista – o tempo-dinheiro – que se marca no passeio completo por todos os meios possíveis de transações financeiras imediatas [...], diz Eliane Zagury quanto à insana correria da personagem de Machado – comunista assumido, claramente criticando o drama urbano de uma época. Talvez por isso, Moisés Velinho (1944) afirmasse que o autor sentiu, de alguma forma, um estranho prazer ao escrever o senso trágico da narrativa.
Naziazeno é um sujeito singular projetado numa sociedade de homens, de ratos – os mesmos que roem o dinheiro, bebem o leite, roem suas oportunidades. Suas 24 horas são um dia projetado numa vida, numa época, numa era – de homens, ratos e homens-rato.


por Rafael Swiech

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Referências:
Machado, Dyonélio – Os Ratos : 1935
Velhinho, Moisés – Coleção Autores Brasileiros : 1944
Zagury, Eliane – A novela Clássica do Modernismo Brasileiro : 1971